Como começa a história? A vida começa quando a gente nasce. Se ela for uma história, então é como se a gente entrasse no cinema com o filme começado. Uma vida é uma história? A vida a gente vive. Mas a história, a gente conta, ouve, lê, escreve, inventa… Seja como for, esta não é a história de uma vida. Nossas vidas? Não. Não sei. Nem sei que história é esta. Ela fica diferente quando você a lê. Por isso, eu acho que uma história pode ter muitos começos diferentes. A história começa como aquelas outras que você conhecia bem e, como eu, terá talvez esquecido.
A história começa com um banco de madeira branco.
Ele ficava no fundo da sua antiga casa, perto do tanque em que sua mãe lavava a roupa e do quartinho em que seu pai guardava as ferramentas. Era pequeno, feito com três ou quatro tábuas firmes como para caber um adulto quase de cócoras. Os dois meninos o colocavam próximo ao muro do quintal e sentavam-se lado a lado. Os cotovelos apoiados nos joelhos, as mãos segurando os queixos – e os olhos longe. Buscavam uma história para uma tarde. Era assim que começava: um fisgava a ideia, outro puxava.
A gente era dois ninjas que tinham que vingar a morte do nosso velho mestre. A gente era dois soldados que estavam perdidos numa selva perto do quartel-general do inimigo. A gente era dois guerreiros selvagens num mundo antigo e mágico. Dois ciborgues num futuro devastado. Dois lutadores de rua. Dois espiões. Dois cavaleiros. Dois irmãos…
Do banquinho, os dois valentes heróis se levantavam prontos para enfrentar hordas infindáveis de inimigos, cruzar reinos esquecidos, encontrar misteriosas criaturas, atravessar mares e cavernas, salvar pessoas e até mesmo voar na vastidão do quintal da sua antiga casa, onde havia uma mangueira próxima ao muro sem reboco que delimitava o espaço entre a sua casa e a do vizinho.
Eu não me lembro quando começamos a usar aquele banco como suporte para nossas aventuras. Lembro-me que, em certo momento, já tínhamos consciência de que ele era necessário para a magia. “Vamos brincar do quê?”, “Não sei, vamos pegar o banquinho e a gente vê…”. Víamos… Também não me lembro quando foi que deixamos de usá-lo. O que eu sei é que por causa dele, sempre que vejo O pensador, de Rodin, penso em dois antigos meninos sentados num banco; e que hoje, quando estou diante de uma folha ou de uma tela em branco, ainda tenho aquela sensação de ter os cotovelos apoiados nos joelhos, as mãos segurando os queixos e os olhos longe.