Archive for agosto \30\-02:00 2009

II – Pedido de desculpa

domingo, agosto 30, 2009

A escrita é um fracasso na medida em que ela não traduz coisa alguma da verdade ou da alma. As palavras operam em um mundo próprio, que eu prefiro imaginar como um bosque fantástico e inventivo que nada tem a ver com o real. Por isso, o leitor erra querendo decifrar nas entrelinhas uma suposta verdade do escritor. Seja lá qual for a verdade, ela está sempre do lado de fora do texto. Do lado de dentro, há apenas uma história.
Espero, J., que você me perdoe pela minha trapaça. Porque o que há aqui não é aquele ano nem aquela casa. Estou pagando minha promessa com um embuste, como Prometeu o fez aos antigos deuses.
Esta história pouco tem de história – ela é mais um pequeno álbum de pequenos retratos que eu tirei ao longo dos anos. E agora que eu faço dessas imagens palavras, elas vão deixando de ser verdades e esta suposta e fracassada história vai deixando de ser a vida que a gente verdadeiramente viveu.
Acho que tem que ter uma frase boa para terminar aqui, né? Por enquanto, fica esta: o que sobra da infância é a nossa mitologia.

um post metalinguístico

segunda-feira, agosto 24, 2009

Penso em muitas coisas sobre este blog: o que faço com ele, o que ele faz comigo, os leitores, os possíveis diálogos que os textos criam com outros textos, as coincidências, as surpreendentes coisas que escapam do controle daquele que cria etc.
E o que eu quero dizer agora é só um desabafo sobre um pensamento recorrente que me assalta geralmente quando chego à metade do texto que estou escrendo: “Não vai ficar bom. É melhor desistir por enquanto.” São poucos os textos sob os quais esse julgamento não passou; são muitos os que estão na pasta de rascunhos ou foram jogados fora graças a ele; e o resto é a maioria dos que estão aqui publicados mesmo com o estigma desse pensamento.
Primeiro eu penso que este blog é um espaço do “por enquanto” (já disse que ele é mais um exercício de escrita.); muitos textos estão incompletos ou simplesmente não estão bons e que é preciso mais tempo para que eu consiga lapidá-los. Depois eu penso que mesmo com o tempo, o máximo que eu vou conseguir é deixar os textos mais aceitáveis do que estão hoje e que, via de regra, eles nunca estarão completos.
Dá uma tremenda vontade de desistir e deixar pra lá esses textos tortos, de jogá-los na fogueira e esquecer de vez essa brincadeira de escrever. Mas… não dá.
E, por isso, por birra contra o pensamento que diz “joga fora, deixa pra lá, guarda com os rascunhos”, eu exponho o texto torto aqui – tendo fé que um dia eu volto a ele para corrigi-lo e completá-lo; sabendo que, no máximo, eu apenas vou deixá-lo um pouco mais aceitável.

Outro dia eu desabafo o pensamento “o escritor escreve um texto; o leitor lê outro texto.”

poema 017

segunda-feira, agosto 24, 2009

manhã de silêncio

Há um pouco de você na solidão da hora íntima,
e em algumas palavras que eu escrevo sobre o branco.
Há um pouco de você no azulejo do banheiro
e na espuma de sabão sob a minha pele.
Há um pouco de você quando eu olho pela janela
e vejo a cidade e a luz que cai sobre os telhados.

Há também um pouco de você na mudeza do meu telefone,
nas caminhadas pelas ruas, em algumas coisas doces
e quando dói.

Há um pouco menos do que eu era nos ninhos em que você pousou.
Há um pouco menos do que eu sou enquanto escrevo.

desfecho para o conto 31

terça-feira, agosto 18, 2009

…acabou por deixar o mar há muitas centenas de quilômetros, onde jazia o corpo rival e começava sua peregrinação pelo deserto. No entanto, ainda que o vento tenha lhe roubado o nome, o sol queimado as lembranças e a solidão apagado o calor do último abraço que sentira, trazia dentro de sua cabeça o canto das gaivotas como um hieroglifo gravado na carne. Na mais absoluta e trágica ignorância a qual todos nós, cada um a seu modo, somos fadados, via no movimento sorrateiro das dunas a repetição das ondas apagadas de sua memória.
Sendo o portador do seu próprio enigma, começou por acreditar que, cruzando as areias onde nascera e vivera até então, encontraria uma outra e maravilhosa estância na qual o deserto seria substituído pelo seu especular contrário. Seria ali que ele enfim conheceria (ou lembrar-se-ia) dos cantos das gaivotas e veria (sem saber que já o conhecia) o lugar onde residia a imensidão líquida.
É verdade que há muito ignorava a palavra, bem como seu significado ou qualquer coisa que tivesse alguma referência ao que nós conhecemos como “mar”. Tinha apenas a fé que encontrar tal lugar (que ele apenas intuia, sem jamais conceber) fosse sua missão e que lá estaria sua verdade.
Foi assim que, sem saber, ele rumou cegamente para seu ponto de partida, onde suas mãos haviam matado e enterrado a mulher amada.

pra escrever no bilhete que ela não leu

domingo, agosto 16, 2009

eu vou guardar o seu nome no silêncio mais bonito.

poema 016

segunda-feira, agosto 10, 2009

o amor armado

O amor armado se aquartelou em mim
com sua tropa montada em quatro cascos
e sua bandeira estirada de trapos velhos
manchados de rubro desejo carmim.

Com ferro e fogo, embriagado de sangue,
marcou minha pele, afiou os meus pelos,
ouriçou os meus olhos, atinou o meu faro.
Cavalgou-me pra guerra feroz como um tanque.

E, no estreito campo de batalha entre teus rins,
invadindo trincheiras e lábios farpados, eu o vi
alucinado galopar e gritar, uma granada cardíaca na mão,
explodir e exaurir, outra vez, até o fim.

I – “eu nunca vi o meu amigo chorar”

segunda-feira, agosto 10, 2009

J.,

não consigo escrever a história que você me pediu. Já se passaram meses, continuo pensando naquela noite, tento escrever e nada. Frustrante. O ato de escrever é um grande fracasso.

Nos rascunhos que eu fiz nesse tempo todo, a primeira frase é sempre “Eu nunca tinha visto meu amigo chorar”. Acho que é uma boa frase para começar a história, no entanto, por mais que eu a repita, nada se desenvolve dela. É preciso esperar, eu sei. Mas a situação me incomoda demais e eu já estou de saco cheio dessa história que você me pediu.

O que me incomoda é que nesse anos todos, até aquela noite, eu realmente nunca tinha visto você chorar e eu não consigo escrever sobre isso. Sei que agora você deve se lembrar (ainda que a memória nunca tenha sido o seu forte) de inúmeras vezes em que você chorou na minha presença. Lembro-me bem de você chorar quando brigava com seu irmão fosse por causa de uma partida de video game (minha mãe nos vendo na sala e defendendo sua causa “deixa o pobrezinho jogar!”, você tinha cinco anos) fosse para chamar a atenção da sua mãe e finalizar uma briga que você tinha começado com ele (é verdade que ele provocava). Mas não é de choro de criança que eu estou falando. É de um choro mais fundo, um choro que a gente aprende quando começa a ter consciência de que alguma coisa está mesmo perdida e não será mais encontrada. Esse choro que é uma forma de nudez.

Aconteceu na minha última ida à casa da minha mãe, depois daquele churrasco. A falta de pudor é a virtude dos bêbados. Eu achei que você estava estranho por causa da discussão com sua namorada. As luzes apagadas e você sem querer papo deitado no seu colchão. Antes de dormir, eu, no meu papel de amigo, perguntei se estava tudo bem, se você queria conversar…

E eu me lembro que nesse momento meus olhos ficaram mais abertos para a escuridão do quarto porque a sua voz chegou entre lágrimas discretas. “Eu tava lembrando daquela outra casa, na Rio Claro”, você disse. “Tava lembrando daquele ano. Cara, aquela foi a melhor época, não foi?”. Mesmo espantado, eu disse sim e sorri meio triste. “Eu tava lembrando…” – maldito bêbado – “Promete que você vai escrever sobre isso? Sobre aquele ano e aquela casa?”. E eu disse sim de novo, surpreso porque você estava chorando.

Meses de rascunhos depois daquela noite, eu estou aqui expondo meu fracasso em escrever a história a que você, em um despudorado e belo momento de embriaguez, prendeu-me com uma promessa. Talvez as entrelinhas aqui não revelem que, apesar de toda a nossa amizade, eu considero você como principal culpado pela minha frustração em relação a essa história.

Um brinde a você, meu amigo!

poema 015

sexta-feira, agosto 7, 2009

crônica de bar

confundiu coragem e cachaça
e tomou

no cu.

risco rabisco rascunho

terça-feira, agosto 4, 2009

a pomba bomba
o amor armado
a paz passada
o fruto futuro
o perdão perdido
a senha sonhada
o riso riscado
a arma amada
o ser servido
a dor dormida
o amor movido
o ser serviço
o calor calado
o mar marcado