Archive for setembro \25\-02:00 2013

poema 100

quarta-feira, setembro 25, 2013

Ainda o Minotauro
caminha pelo labirinto.

Longe da morada de Dédalo,
a cicatriz de Teseu no peito e
o novelo de Ariadne nos dedos.
À luz do dia, o Minotauro vacila.

Os pés machucados pelo asfalto,
os ouvidos assustados por buzinas,
gritos, balas perdidas, um estupro
em cada esquina.

De repente, o Minotauro se esquiva
do carro, do ônibus, do caminhão
e da polícia.

A besta fera foge da pista.
Na calçada, se angustia:
uma criança morre de fome e outra
assassina.

Mais uma cena lhe fere a vista:
sete belos rapazes, sete virgens noivas;
a noite que se estendeu no beco
tinha cheiro de chacina.

Por entre arranha-céus e avenidas,
o filho de Pasifae desatina.
É de dor, de raiva, é de medo
que ele grita.

Assim, notamos que havia,
entre a gente da Cidade,
outro monstro que gemia.

No meio do olhar alheio,
o Minotauro, então, de mim
se aproxima.

Seus olhos ardem,
uma lágrima floresce.
O Sol desce e o príncipe Astérion
se inclina.

Com a cabeça no meu colo,
ele rumina enquanto lhe canto
uma cantiga.

“Esta é a Cidade que os pais
de nossos pais fundaram;
que eu e meus irmãos expandimos;
que os filhos de nossos filhos herdarão.

Esta é a Cidade que construímos
com cimento e sangue
com suor e excremento.

Esta é a Cidade em que vivemos.
É aqui que nos matamos.”

Um velho brada, uma mulher xinga
o executivo escarra, o mendigo se agita,
os estudantes uniformizados gargalham,
a turba em uníssono clama:
“LINCHA!”

***

Mesmo depois de termos comido sua carne,
eu sei que foi o Minotauro quem venceu.
Em nossa boca, ficou o gosto de cinzas e gasolina.
Em minhas mãos, um novelo de lã
branca e limpa.

poema 099

sexta-feira, setembro 20, 2013

Metonímia

a parte pelo todo

o homem
________branco
________heterossexual
________classe média
________cristão

pelo ser
________humano

quarta-feira, setembro 11, 2013

Às vezes, querer escrever um poema é não escrevê-lo.

Ocorreu-me agora essa ideia e eu não sei ao certo o que isso quer dizer. Faz tempo que deixei de acreditar no gênio puro, no dom. Há muito pouco de inspiração que sustente um poema. E não há talento que não seja fruto de muito trabalho.

A Poesia é ardilosa e exige artimanhas daqueles que se dispõe a segui-la. De mim, ela exige um constante auto-questionamento. Frequentemente, preciso desaprender a escrever e até mesmo a pensar. Ordenar o caos com palavras requer a lógica de ordenar as palavras com caos. E vice-versa. E versa-verso. Eis o verso.

Por mais que aparente, ele não acontece de repente. A ocorrência de um verso – de cada verso na construção de um poema – requer uma relação tensa entre os aspectos ativo e passivo do ser. É preciso procurar ativamente a Poesia em tudo o que há e mesmo nas coisas que não existem ao nosso redor. Ao mesmo tempo, é preciso deixar passivamente que ela aconteça ou que ela nos encontre. Entre uma coisa e outra, eu diria que é ao buscar que somos encontrados. Mas nem sempre ou quase nunca a Poesia me encontra onde eu a procuro. (É um fato que ela não me encontra se eu não a procurar). Por isso, talvez, querer escrever um poema, às vezes, seja não escrevê-lo. Às vezes, isso é um tanto frustrante. Mas, geralmente, a persistência tanto na busca como na espera me mostra que eu preciso abandonar minhas atuais ferramentas e criar novas ou recuperar velhas ou recuperar novas e criar velhas…

Resta ainda observar que muito embora, na minha concepção das coisas, a Poesia não seja escrita (porque ela é anterior ao poema), não acho que o melhor poema seja aquele que não se escreve (outra ideia que, como a do gênio puro, abandonei há tempos), pelo óbvio motivo de que o poema que não se escreve não é poema.

Disso tudo, a conclusão a que o mote deste post me leva é que a divisão ativo/passivo no trabalho de conceber o poema não é igualitária. Ainda que a procura seja essencial, o maior esforço reside na espera da Poesia (porque, mesmo enquanto a busco, não deixo de estar esperando por ela), na gestação do poema. (Poeta é um ser grávido de palavras). Não basta querer escrever o poema, é preciso (saber) esperá-lo.

Poema 098

quarta-feira, setembro 11, 2013

No colo do asfalto
carinho de aço-concreto
e um beijo farpado

A galeria dos sonhos esquecidos

segunda-feira, setembro 9, 2013

Comecei a escrever uma crônica aqui há alguns meses sobre uma galeria de antiquários que encontrei no centro da cidade. Apaguei esse texto para ficar apenas com o título. Gosto desse título e gostaria de dar a ele um texto mais digno. Mas não posso. Não consigo.
Vou publicar este texto no lugar da ex-crônica porque preciso publicar alguma coisa. Preciso publicar pelo menos este título. Porque pode ser que um dia eu me lembre de como se faz isso direito — escrever. Uma vez eu confabulei (não sei se essa é a palavra) o ar em palavras e, dos sentidos delas, fiz outros sentidos — diversos, adversos, inversos; mas eram meus sentidos.
Hoje, não estou mais fazendo sentido. Estou querendo – já desesperadamente — fazer qualquer sentido. Mas é como se tudo estivesse repleto de uma absoluta concretude. Todo sentido é uma imensa pedra que não se pode remover ou lapidar.
As palavras estão duras como se fossem cadáveres de ideias engessadas.
Faz-me falta um pouco de vazio.